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Cotidiano

O Dia que os Brasileiros entraram em Guerra com a Yakuza

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Hoje quase todos os brasileiros que moram no Japão, já ouviu falar do Homi Danchi. Quando os primeiros dekasegis começaram a chegar na ilha, a única opção de moradia disponível era esse tipo de conjunto habitacional que comportavam a classe mais pobre do Japão.

No começo, esses descendentes vinham apenas para trabalhar por um curto período para juntar dinheiro, mas logo no início dos anos 90, as primeiras cartas de elegibilidade começaram a sair e seus familiares começaram a chegar no Japão. Foi então que um problema que até hoje não foi solucionado começou a surgir.

Com os primeiros filhos indo para as escolas, não é difícil de imaginar que sofriam preconceito por serem os únicos estrangeiros. Os professores eram (e muitos ainda são) despreparados para lidar com culturas e valores diferentes, o que aumentava o problema de assédio e bullying, que muitas vezes evoluíam para agressões físicas graves.

Além dos efeitos danosos ao indivíduo, a sociedade também sofria com isso, pois muitos jovens acabavam largando a escola e alguns se envolviam em atividades ilegais para sobreviver, incluindo o tráfico de drogas, furtos e roubos.

Os primeiros adolescentes, cresceram em ambientes hostis, principalmente por não dominarem o idioma completamente, mesmo que pareciam japoneses e, em muitos casos, terem 100% de sangue japonês, eram tratados com desprezo.

De um lado, haviam japoneses incomodados com estrangeiros “invadindo” o conjunto habitacional que até então era composto apenas por japoneses e poucos chineses, principalmente por conta do barulho que eles faziam e, do outro lado brasileiros sofrendo preconceito na escola, trabalho, rua e no local onde mora. Não é difícil de imaginar que em algum momento um problema maior iria surgir.

Até 1999, era comum brigas corporais e muitas discussões que se resumiam a gritos e ofensas, ditas em português e japonês. De acordo com moradores, as brigas eram diárias.

O Início de uma Guerra

Era noite, um trabalhador da Toyota na faixa dos 20 anos, estava voltando para casa depois de um dia exaustivo de trabalho pesado, quando passou ao lado de um grupo de japoneses que comiam em uma barraca de ramen que a pouco tempo, havia sido aberta dentro do complexo.

O grupo de japoneses, passaram a humilhar o brasileiro enquanto riam, até que o brasileiro notou que até mesmo a pessoa que trabalhava na barraca, esboçava um sorriso.

O brasileiro então, ligou para um amigo que também morava no Danchi e esperou ele chegar, para dar início a uma briga onde eles saíram vitoriosos, embora estivessem em menor número. Durante a briga, até a barraca do ramen foi destruída.

No dia seguinte, já pela manhã, havia pelo menos 15 japoneses entre 16 e 25 anos, armados com canos de ferro e espadas de madeira, andando pelo complexo em busca dos 2 brasileiros que haviam brigado no dia anterior.

Como eles não encontraram os brasileiros e nem conseguiram informações precisas do número do apartamento que eles moravam, eles vandalizaram o carro que um japonês disse pertencer a um brasileiro.

Alguns dias depois, um carro de propaganda de um grupo nacionalista e pelo menos 40 bosozokos (aqueles infelizes que andam fazendo barulho com a moto) apareceram no Homi Danchi. Enquanto caminhavam pelo conjunto habitacional, um alto-falante muito potente transmitia sem parar: “Expulsem os brasileiros!” Isso é o que hoje chamamos de “discurso de ódio”.

“ブラジル人を叩き出せ”

Ironicamente, mesmo com todo o barulho causado por esse grupo, não houve relatos de reclamação de moradores locais quanto ao barulho feito pelos próprios japoneses, que após algumas horas, ficaram em silêncio e foram embora, deixando o ônibus estacionado dentro do terreno do Homi Danchi.

Na mesma noite, alguém (provavelmente um brasileiro), simplesmente ateou fogo nesse ônibus, deixando os japoneses que participavam da incursão de ódio, inacreditados e com um sentimento de terem sido humilhados, de novo.

Nos 2 dias que se seguiram, o discurso evoluiu de “Expulsem os brasileiros” para “Elimine os brasileiros” e “destruir os agressores”. Os brasileiros que sofriam todo o tipo de violência e preconceito, eram na visão dessas pessoas, os agressores.

De acordo com relatos, mais de 20 ônibus, vans e carros ligados a esses grupos nacionalistas, além de dezenas de motos, cercaram o Homi Danchi. As motos ficavam acelerando frenéticamente, os carros ficavam buzinando e também acelerando e as vans e ônibus usavam alto-falantes com discurso de ódio dirigidos aos brasileiros.

Nesse ponto, você já deve imaginar: Nenhum morador do Homi Danchi havia reclamado do barulho ainda.

Todos os homens brasileiros que moravam no local, incluindo adolescentes e algumas mulheres, se reuniram e criaram armas improvisadas:

correntes, bastões, martelos e outras coisas que poderiam ser usadas como armas.

Quando brasileiros que não moravam no Danchi ficaram sabendo do que estavam acontecendo, também se juntaram ao grupo e apenas esperavam os japoneses terem coragem de iniciar uma batalha.

Quanto mais tempo os arruaceiros que só ficavam fazendo barulho do lado de fora esperavam, mais brasileiros iam chegando armados com armas improvisadas.

Muitos japoneses do lado de fora, exibiam suas tatuagens ligadas a máfia, acreditando que isso poderia de alguma forma, intimidar os brasileiros.

A Intervenção da Polícia

Quem mora no Japão, sabe o quanto a polícia daqui é pacífica e ignora sumariamente tudo que tenha ligação com a máfia. Na época não foi diferente no começo.

Porem, com a singularidade do caso, emissoras de TV passaram a ir até o local para fazer a cobertura do caso, inclusive com helicóptero sobrevoando o local para fazer uma cobertura completa, obrigando a polícia de Aichi a acionar a tropa de choque para intervir na guerra que estava prestes a começar, destacando uma tropa com 80 policiais.

Na TV, manchetes diziam sobre “A Guerra Eminente”, “Regime de Exceção em Conjunto Habitacional” e títulos parecidos. Os apresentadores não sabiam ao certo como narrar o que estava acontecendo, era diferente de tudo que Japão já tinha vivenciado até o momento.

“戦争前夜です”

Fujita, um brasileiro e morador do Homi Danchi, deu uma entrevista dizendo: 日本のヤクザは口だけの人が多いですからねえ. Que em uma tradução ao português, seria: É porque muitos desses Yakuzas só tem boca.

Na mesma entrevista, Fujita disse que o que era assustador, não era aquela escalada de violência ou a máfia e sim o distanciamento dos japoneses com os imigrantes que havia aumentado ainda mais.

Logo após esse episódio, alguns japoneses do local fizeram pedidos formais a administradora do complexo (Housing Corporation) e a prefeitura local, pedindo para que não deixassem mais estrangeiros se mudarem para o local. Não houve registro de qualquer reclamação relacionada aos japoneses como pedido para proibir a entrada de ônibus de não-moradores ou o uso de alto falantes.

Desde então, a prefeitura passou a destinar recursos financeiros para ONGs realizarem trabalhos sociais no local para garantir uma convivência harmoniosa entre os moradores, que teve a porcentagem de brasileiros aumentada a cada ano, a ponto do local ser apelidado de Burajiru Danchi.

Ainda hoje, é um local com milhares de brasileiros, contando até com mercado brasileiro e outros comércios destinado aos imigrantes.

Desde então, os casos de incidentes com brasileiros e grupos nacionalistas ou a yakuza, são baixíssimos.

Ano passado, o diretor Izuru Narushima lançou o filme ファミリア (Família), que conta a história fictícia de um brasileiro que mora no Danchi. Veja o trailer abaixo:

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